O que importa para você?
É uma pergunta simples que pode aprofundar a conexão entre pacientes e profissionais de saúde. Da Califórnia à Escócia, da Noruega ao Brasil, eu tenho escutado histórias ou presenciado o potencial transformador dessa pergunta.
Em 2012, em um artigo publicado no periódico “New England Journal of Medicine”, o médico Michael Barry e a pesquisadora Susan Edgman-Levitan introduziram a ideia de perguntar aos pacientes “O que importa para você?”, além da tradicional pergunta “Qual é o problema?”. Desde então, essa mudança propagou-se ao redor do mundo e está mudando o equilíbrio de poder entre pacientes e profissionais de saúde.
Por que essa ideia funciona tão bem em vários idiomas e em diferentes cenários e aspectos do cuidados de saúde? Primeiro, quando você pergunta “O que importa para você?” você é levado a enxergar os pacientes como uma pessoa e não como uma doença, um órgão ou um resultado de exame. Você entende que eles possam estar sob forte estresse por estarem em um ambiente que pode ser estranho para eles. Você olha para eles como uma pessoa única que merece respeito.
Por exemplo, quando eu caminhava pelos corredores de uma instituição de longa permanência, na Noruega, eu notei os quadros de aviso. Na maioria das instituições de longa permanência os quadros de aviso têm uma foto do paciente (ou residente) com a idade, o diagnóstico, o médico responsável, a ordem ou a recusa de manobras de ressuscitação, etc. É basicamente uma descrição clínica.
Mas os quadros de aviso que eu vi nessa instituição norueguesa me encheram de alegria. Eu vi fotos dos pacientes, como eles gostavam de ser chamados, a idade deles e o que importava para eles.
No quadro de um senhor, estava escrito: “Quero duas doses de whisky, às 17h, todos os dias”. No quadro de uma senhora lia-se: “NUNCA (em letras maiúsculas), me tire do quarto sem que eu esteja maquiada e penteada”. Alguns dos pacientes tinham fotos dos netos ou das suas viagens preferidas.
As interações, nessa instituição de longa permanência, são entre seres humanos, não apenas entre pacientes e médicos. Aprender sobre os gostos, as preferências ou sobre suas famílias e experiências, muda a maneira como interagimos com as pessoas. O equilíbrio de poder vai do “Eu estou cuidando de você” para “Vamos ser parceiros no seu cuidado”.
Lembrando o porquê escolhemos ser profissionais de saúde
Para mim, a maior surpresa sobre perguntar “O que importa para você?” é como os profissionais de saúde têm reagido. Eu sabia que isso melhoraria a experiência dos pacientes, mas eu não poderia prever como essa pergunta traria alegria e sentido à vida desses profissionais.
No mundo atual, vivemos em ritmo acelerado e lidamos com muita complexidade. Mas quando você para por um instante e tem uma conversa verdadeira, isso pode significar muito. Isso faz você lembrar o porquê escolheu uma carreira na área da saúde.
Alguns anos atrás, eu estava fazendo uma palestra sobre “O que importa para você?” e disse: “Quando vocês voltarem ao trabalho, na próxima vez que entrarem no quarto de um paciente, invistam algum tempo perguntando o que importa para eles”. Na plateia, estava Jen Rodgers, enfermeira pediátrica do Royal Alexandra Hospital, de Paisley, Escócia. Ela topou o desafio. Ela voltou para o trabalho e fez a pergunta. Ela deu para cada criança internada um pedaço de cartolina e materiais de desenho.
Jen pediu aos meninos e meninas para dizerem seus nomes, suas idades e escreverem ou desenharem o que era importante para eles. Eles listaram coisas como: “Eu gosto de ter a campainha perto da minha mão, assim posso pedir ajuda quando precisar” e “Eu gosto quando o médico me chama pelo nome” ou “Por favor, bata na porta antes de entrar no quarto”. Prestar atenção nesses pedidos simples restaurou a individualidade dessas crianças. Colados acima de suas camas, esses cartazes foram um modo imediato de conexão entre esses pacientes e as pessoas que adentravam seus quartos.
Ao ver como isso estava fazendo diferença na vida dos pacientes, Jen trabalhou para implementar essa ideia, de maneira confiável, para qualquer paciente. Geraldine Marsh, enfermeira que trabalha na área geriátrica do mesmo hospital, ouviu falar do trabalho de Jen e começou a usar a mesma ideia com seus pacientes. Há um novo hospital, na Escócia, onde cada cama tem um quadro para mostrar o que é importante para cada paciente.
Essa ideia continua se espalhando. Por iniciativa de Anders Vege, do Centro de Estudos para Serviços de Saúde da Noruega, o país escandinavo criou, em 2014, o dia do “O que importa para você?”. Em 6 de junho de 2016, a versão global dessa iniciativa gerou 20 milhões de tweets e engajou 500 organizações de Saúde ao redor do mundo. Ou seja, em poucos anos, isso partiu dos pacientes de Jen Rodgers e Geraldine Marsh para todos os pacientes de um novo hospital e para milhares de participantes, porque essa ideia ressoa com os pacientes e acrescenta propósito e sentido nas vidas dos profissionais que trabalham com eles.
Indo além da melhoria da experiência do paciente
Perguntar “O que importa para você?” começou como uma forma de melhorar a experiência do paciente, mas ela também pode ajudar a reduzir custos e melhorar a saúde da população em geral, outros dois aspectos do Triplo Objetivo.
Triple Aim, em inglês, é um modelo desenvolvido pelo Institute for Healthcare Improvement que descreve uma abordagem para otimizar o desempenho dos sistemas de saúde. Esse modelo está baseado em três objetivos simultâneos: melhorar a experiência dos pacientes, melhorar a saúde das populações e reduzir o custo per capita para os cuidados de saúde.
Por exemplo, você imagina que um paciente queira um tratamento mais agressivo, mas quando você pergunta o que é importante para ele, você pode acabar descobrindo que a sua prioridade é ir para casa. Você discute os prós e contras e os riscos de todas as opções e torna-se claro que o paciente quer estar confortável em casa, com a família e em um ambiente que ele conheça bem.
Descobrir o que é importante para o paciente também pode ajudar a resolver o estresse e a exaustão que assolam o setor de Saúde. Pergunte ao próximo colega que você encontrar no corredor ou no café: “O que importa para você?”. Reserve um tempo para descobrir como eles estão e com o que estão lidando também fora do ambiente de trabalho. Relacione-se com eles como pessoas e não apenas como colegas de trabalho.
O que eu vejo ao redor do mundo é que, quando as pessoas param e fazem essa pergunta, isso muda o modo como elas veem umas às outras. Isso está trazendo um sentido mais profundo às vidas dos pacientes e dos profissionais de saúde.
Artigo de Maureen Bisognano, presidente emérita do Institute for Healthcare Improvement